Receptáculo


Um orgasmo seguido de despedida seguido de um jogar de água sobre as partes. O azedo do gozo se misturou com o salgado de uma lágrima insistente. 

Nenhum carinho, afago ou promessa. Apenas vestígios que precisavam ser ocultados. Naquele momento, importava o tempo. Vesti-me tentando acompanhar a pressa.

Ao chegar em casa, as lágrimas despencaram. Meu corpo que horas antes estava envolvido em um suor leitoso, agora destilava dor por todos os poros. Revirava-me entre os lençóis, querendo de alguma forma suprir aquele abandono. Mas o nojo de mim era maior. Agarrei meus peitos com força na tentativa de arrancá-los. Os bicos eretos denunciavam prazer. 

O que era para ser apenas um acaso, hoje era um amor pela metade. O meu. 

Eu era o desabafo de uma relação conjugal quase falida, e de certa forma, sentia-me útil. Confesso que me deixei levar por uma tola primeira excitação. Mas como não se deixar levar se mesmo antes de nossos corpos se encontrarem ele já havia me penetrado com palavras? 

Ele gostava de ver as faces do meu prazer enquanto eu amava aquele homem de fases. Fase de me querer nua, fase de me querer crua, fase de não me querer. Importava ver ele feliz. Ele queria que eu fosse a puta que a outra não era. Se satisfazia, e só. Por alguns invernos e outros verões, cedi àquela vontade.

Rompi com ele como da primeira vez que ele me rompeu. As duas formas foram doloridas e eu sangrei. Não fiz isso por ter forças, eu já não tinha mais nada. Mas fiz por esperar que depois de tantas estações, algo o fizesse não querer sair de mim. 

Ele parece não ter sentido. Igual aquele dia no banheiro da escola quando sufocou meu grito. E então eu percebi pela primeira vez que não fui nada além de um depósito. Um depósito de esperma.






Merlen Alves/ março 2019. 


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